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'A Menina que Não Sabia Ler' x 'A Volta do Parafuso'

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Sim, eu sei que títulos e capas não dizem tudo, mas, mesmo assim, esses são elementos que costumo levar em conta quando escolho um livro – o que, acredito, acontece com boa parte dos leitores. Por conta disso, por vezes surpreendo-me quando a história toma um rumo totalmente imprevisto. Foi mais ou menos o que aconteceu na leitura de A Menina que Não Sabia Ler (editora Leya, 282 páginas), de John Harding.

O que parecia uma leitura leve acabou revelando-se, lá pelo meio, uma leitura tensa, de certa forma angustiante. Não me entendam mal: gosto desse tipo de livro, só não era o que esperava pelo título e pela capa. Confesso, porém, que se tivesse prestado mais atenção à chamada da contracapa, “Na tradição de Henry James e Edgar Allan Poe”, estaria mais preparada, e também se tivesse visto que o título da tradução é bem diferente do original, que era simplesmente Florence and Giles, nomes dos dois personagens centrais.

Depois dessa “introdução”, vamos ao ponto que eu queria tratar aqui. E antes que alguém me acuse de “spoiler”, já aviso que darei pistas da história. Pois bem. A questão que mais me chamou a atenção no livro é que, lá pelas tantas, deparei com uma cena – o menino Giles voltando do colégio interno, com uma carta na qual dizia que não podia mais voltar – que causou-me uma sensação de déjà vu (ou, talvez fosse melhor nesse caso, de déjà lu). Ignorei-a e segui adiante na leitura.

A sensação de que eu sabia a história, porém, permaneceu a partir dali. Por fim, identifiquei onde lera algo semelhante: em A Volta do Parafuso, de Henry James. A trama, claro, não é a mesma, mas há vários paralelos bem interessantes. Vamos a eles.

Ambas as histórias se passam em fins do século 19, em uma mansão no interior, na qual dois irmãos, um menino e uma menina órfãos, sob a tutela de um tio que mora na cidade e nunca aparece, são criados por governantas e preceptoras. No livro de James, a casa se chama Bly; no de Harding, Blithe. No primeiro, as crianças são Flora e Miles; no segundo, Florence e Giles. Em A Volta do Parafuso, a governanta é a sra. Grose; em A Menina que Não Sabia Ler, a sra. Grause.

Outros fatores de semelhança são que nas duas histórias há uma forte ligação entre a mulher contratada para ensinar as crianças e o menino, e que ambas as protagonistas acreditam que o fantasma da antiga preceptora, que morreu, está à espreita, com intenções malignas. Até certo ponto, acreditamos no relato das protagonistas-narradoras, e depois começamos a desconfiar da sanidade delas.  Aí é preciso dizer que as protagonistas são diferentes: enquanto a história de James é contada pela professora, na de Harding é o olhar da menina que acompanhamos.

Ressalte-se que há vários elementos novos em A Menina que Não Sabia Ler, a começar pela própria questão de Florence ser proibida de aprender a ler e ter de fazer isso escondido (proibição que não tinha Flora, pois a preceptora se encarregava dela também). A possível origem da ligação da professora com Giles também é diferente, e muito bem explorado. O personagem do jovem Van Hoosier não tem similar em A Volta do Parafuso, e os finais diferem (embora haja ainda uma última relação, que não vou dizer qual é para não contar o final da história).

Apesar dessas diferenças, teria me sentido bem mais confortável na minha leitura se tivesse sido avisada, já na da contracapa, de que o livro é uma espécie de releitura ou, mais provavelmente, uma homenagem a Henry James, como acredito que seja. 

Feitas essas ressalvas, é preciso dizer que A Menina que Não Sabia Ler é um ótimo livro. Para enriquecer a leitura, portanto, o conselho é ficar atento aos paralelos com o também excelente A Volta do Parafuso.


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